Não bastasse uma sucessão de arbitrariedades na implantação do programa “Mais Médicos”, o governo federal, como era de se esperar, agora tenta dificultar o acesso dos conselhos regionais a informações imprescindíveis para o acompanhamento do trabalho dos médicos inscritos no programa.
Após solicitação oficiada ao Ministério da Saúde, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) teve negada a informação dos nomes de tutores e supervisores que acompanharão os intercambistas, sob alegação de que o fornecimento desta informação não está previsto no Decreto* que dispõe sobre a emissão do registro único destes profissionais.
É no mínimo duvidosa a negação a este pedido, pois conhecer os médicos brasileiros que supervisionarão o trabalho dos intercambistas é hoje o melhor meio que os conselhos regionais têm de fiscalizar os profissionais do programa federal no exercício da Medicina. Isto porque, entre outros equívocos, o registro profissional, que por lei é de competência dos conselhos regionais, foi concedido pelo governo federal por meio de medida provisória.
No Brasil, todos os médicos são registrados pelos conselhos regionais do Estado onde atuam, após apresentarem documentação necessária, rigorosamente verificada pelo órgão, responsável por fiscalizar sua conduta durante a vida profissional.
Aos médicos formados no exterior que pretendem exercer a Medicina em nosso país, é aplicada uma prova para revalidação do diploma, o Revalida, com a finalidade de avaliar sua competência profissional e, no caso de estrangeiro, a proficiência na língua portuguesa. Essas medidas visam proteger a sociedade de maus profissionais, como também garantir aos médicos o direito de exercer sua profissão com dignidade.
Nada disso aconteceu no programa federal
O Brasil assistiu, em 2013, à grande batalha entre as entidades médicas e o Governo Federal em virtude do programa “Mais Médicos”. Foi uma luta desproporcional na qual o poder público lançou mão de recursos midiáticos e classificou a reação dos médicos como corporativista.
Com a falsa alegação de que o Brasil precisa de médicos, o governo importou profissionais de diversos países, concedeu-lhes registro profissional, ainda que provisório, mas sem que revalidassem seus diplomas para comprovar se estão ou não qualificados, e os alocou nos rincões do país onde há carência na assistência em saúde.
Esta foi a solução encontrada pelo governo para resolver a crise do Sistema Único de Saúde (SUS).
Afora o absurdo de se atribuir a responsabilidade da crise na saúde brasileira aos médicos, o executivo federal parece fazer vistas grossas ao grande problema do subfinanciamento e da gestão ineficiente no âmbito da rede pública de saúde. Também fecha os olhos para as péssimas condições de infraestrutura, a falta de equipes multidisciplinares, onde não há enfermeiros, cirurgiões-dentistas e outros profissionais da área da saúde, além da falta de acesso a exames e medicamentos.
A vinda de médicos estrangeiros não suprirá esta falta e disso os Conselhos Regionais de Medicina e as entidades médicas já sabiam, mas, na queda de braço com o poder federal, os interesses políticos falaram mais alto.
O que esperamos do Governo Federal é que forneça o nome dos tutores e supervisores que participam do projeto. Ainda que os médicos integrantes do programa não sejam registrados no Cremesp, sabemos de nossas responsabilidades como órgão fiscalizador da profissão, e vamos estar sempre muito alertas para que prevaleça a boa prática médica em benefício da população.
*Decreto nº 8.126/13
Silvia Rondina Mateus é médica pneumologista, diretora–tesoureira do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
Artigo publicado na Revista da APM de Piracicaba, fevereiro de 2014.
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