A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pretende reverter a situação de desvalorização do trabalho dos médicos que atendem planos de saúde, meta que está entre seus desafios para 2012. A questão ganhou ainda mais peso a partir da posse do novo diretor de gestão da agência, o médico cardiologista André Longo Araújo de Melo. Ele sempre partilhou com a classe médica a opinião de que os reajustes dos honorários profissionais não acompanham o crescimento do setor suplementar.
Longo foi conselheiro do CFM e do CRM de Pernambuco e é o primeiro diretor da ANS representante das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Tomou posse no dia 17 de janeiro, após sabatina na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, em que foi aprovado por unanimidade.
Os médicos têm expectativas de mudanças na relação com os convênios médicos com sua chegada à ANS. Como pretende resgatar a valorização do trabalho do médico que atende os planos de saúde?
Tenho consciência dessa expectativa, já que venho de longa jornada nas entidades médicas, e compartilhei com elas algumas críticas em relação à atuação da ANS. A desvalorização do trabalho do médico que atende planos de saúde ocorre desde antes da Lei nº 9656, que regulamentou o setor em 1998, e da própria existência da ANS, criada em 2000. Este processo decorre da incorporação tecnológica no setor da saúde, mobilizando recursos para o pagamento de materiais e medicamentos, o que foi importante, mas nem sempre consequente. Faltou uma normatização que propiciasse um ambiente negocial mais civilizado entre prestadores e operadoras. A ANS reconhece a situação de desvalorização do médico e reverter este quadro é, sem duvida, um dos grandes desafios colocados para a agenda regulatória, sendo um dos eixos temá¬ticos propostos para 2012.
Os honorários médicos não foram reajustados na mesma proporção do crescimento do setor de saúde suplementar. Como equalizar a situação, uma vez que a ANS não pode arbitrar valores e reajustes de honorários?
A ANS não tem competência legal para arbitrar honorários médicos. É preciso superar o atual modelo de pagamento a prestadores, que privilegia o consumo e utilização de materiais em detrimento da remuneração do trabalho médico de qualidade. Precisamos criar um ambiente negocial melhor, aperfeiçoando a RN 71, de 2004, que trata da contratualização de prestadores, incorporando o conceito de hierarquização de procedimentos e avançando para um processo de negociação coletiva, que tende a dirimir conflitos e trazer mais segurança para o setor. Precisamos valorizar a dedicação do médico ao trabalho “artesanal”, não atrelado, necessariamente, à tecnologia, como nas consultas, nas visitas domiciliares e hospitalares e na realização das cirurgias, entre outros. Como fazer isso? Este é o desafio, e acredito ser importante que as entidades médicas construam uma proposta para análise. A CBHPM, embora não seja perfeita, é um dos melhores exemplos da capacidade produtiva dessas entidades e um bom ponto de partida para a discussão da valorização.
O Movimento Médico pede também o fim das interferências dos planos de saúde na autonomia profissional no que se refere à solicitação de exames e outros procedimentos. Qual sua posição sobre o tema?
Pesquisas feitas pelas entidades médicas demonstram esta preocupação dos médicos e dos pacientes em relação a algumas práticas das operadoras, consideradas abusivas. Os órgãos de defesa do consumidor também estão atentos e têm reagido. Por outro lado, sabemos que algumas operadoras e os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) possuem dados e relatos de indicações abusivas de exames complementares e outros procedimentos, por parte de alguns médicos. Acredito na autonomia como importante princípio bioético, que deve ser exercida dentro de parâmetros técnicos, individualizados para cada paciente. Temos que dar continuidade à construção de diretrizes e consensos por meio de parcerias com as sociedades de especialidades. Os abusos devem ser denunciados aos órgãos competentes: ANS, no caso das operadoras, e as comissões de ética e CRMs, para os profissionais. A ANS desenvolveu instrumentos mais ágeis para notificação das operadoras, para que elas possam atuar para reparar, de forma voluntária e eficaz, situações abusivas, como as de negativas injustificadas de cobertura. Tal procedimento vem obtendo taxas de resolutividade crescentes e reforça a necessidade de chegar a nós as suspeitas de abusos.
Os médicos convivem com a precariedade dos contratos com os planos de saúde, que normalmente não determinam periodicidade e índice de reajuste de honorários. O descredenciamento costuma ser feito de forma arbitrária. Como a ANS pode colaborar para a normatização da relação médico-plano de saúde?
A RN 71/2004, da ANS, estabeleceu os requisitos dos contratos a serem firmados entre as operadoras e os profissionais de saúde ou pessoas jurídicas prestadoras de serviço. Mas passados oito anos surgiram lacunas que levaram a descumprimentos sistemáticos da norma. Sabe-se que a maioria dos contratos entre prestadores e operadoras não contempla cláusulas de reajuste claras, o que contraria a resolução. Compartilho da ideia de que é preciso rever e aperfeiçoar seu conteúdo para o fortalecimento da relação entre médicos e operadoras, com a necessidade de assegurar um melhor ambiente para acertos entre as partes. Para tanto, devem necessariamente ser tratados assuntos como critérios de glosas, descredenciamentos e reajustes.
Como vê a situação provocada no setor da saúde pelas empresas de intermediação de descontos (gerenciadores de cartões de desconto, cartões pré-pagos e outras modalidades) em consultas, exames e procedimentos?
Considero que esta prática deveria ser vedada por lei, em benefício do consumidor e da adequada concorrência no setor de saúde suplementar. É lamentável que alguns médicos ainda se credenciem a tais empresas. O atual marco regulatório permite apenas que a ANS vede esta prática às operadoras de planos. Para a ANS, os sistemas de descontos não são planos de assistência à saúde, e desaconselha esse tipo de contratação por não apresentar as garantias mínimas exigidas pela legislação. O consumidor fica vulnerável nas situações de maior risco, exatamente naquelas em que o custo da assistência médica pode chegar a valores muito elevados.
Acesse AQUI a íntegra da edição do Jornal do Cremesp nº 290 - Março de 2012