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    15-11-2011

    Jornal do Cremesp

    Em entrevista exclusiva, Gilson Carvalho explica os trâmites políticos para o financimento do SUS


    A regulamentação da EC 29, aprovada pela Câmara dos Deputados, não foi favorável à saúde, de acordo com o pediatra Gilson Carvalho, que há mais de 40 anos defende mais verbas para o SUS. Ele resume as necessidades do sistema ao que chamou de Lei dos Cinco Mais, que enfoca o modelo determinado na Constituição, com mais recursos, eficiência e ética, além da garantia das condições básicas de cidadania. Nesta entrevista ao Jornal do Cremesp, edição de novembro, explica o complicado trâmite político que envolve o financiamento do SUS.


    SUS precisa de mais dinheiro e eficiência


    Após anos de tramitação, a Câmara regulamentou a Emenda Constitucional 29 (EC 29), enviada para análise do Senado. É viável retomar a proposta original, já aprovada em 2008, de alocar 10% de Receita Corrente Bruta (RCB) da União para a saúde?
    Aconteceu o pior em relação ao financiamento da saúde pública no Brasil. Fomos ao Congresso explicar que seria impossível fazer saúde com 1/3 da média alocada pelos sistemas de saúde no mundo e com metade do que gastam os planos de saúde no Brasil. A EC 29, aprovada pelo Congresso, tinha pregado uma peça ao setor quando desonerou a União (passou a investir menos) e obrigou o aumento do gasto dos Estados em 20% e dos municípios, em 50%. No dia seguinte à aprovação já estávamos falando que aquela verba era insuficiente. O médico e então deputado federal Roberto Gouveia, em 2003, protocolou projeto sobre o aumento de recursos federais para a saúde, determinando que a União devesse alocar, no mínimo, 10% de sua RCB à saúde.

    O que houve com esse projeto?
    Está em discussão até hoje. Quando passou pela primeira vez na Câmara, conseguiram adulterá-lo para a mesma forma atual, de desfinanciar a saúde. Mandaram ao Senado com o adendo de que, se aprovada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), seria um dinheiro a mais para a saúde. Em dezembro de 2007, o Senado ressuscitou o projeto de Tião Viana (PT/AC), nos mesmos moldes do de Gouveia. Foi aprovado por unanimidade, garantindo os 10% da RCB para a saúde. Seguiu para a Câmara, que tentou recriar a CPMF, agora como Contribuição Social para a Saúde (CSS), mantendo a mesma base de cálculo dos recursos federais – não um percentual da receita (como para Estados e municípios), mas do PIB. Aprovou sem base de cálculo da CSS e com um agravante: tirou R$ 7 bilhões da saúde, pois eximiu os Estados de aplicarem 12% da receita na saúde, o equivalente aos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Foi um escárnio à saúde.

    O que poderá acontecer com os recursos para a saúde?
    Uma dessas possibilidades: o projeto jazer morto no Senado, sem votação, já que o governo não aceita aumentar os investimentos sem nenhuma arrecadação nova; aprovarem o projeto da Câmara sem o artigo referente à perda dos R$ 7 bi; sancionarem a proposta da Câmara mantendo a perda desse valor; ratificarem o projeto do Senado quanto à base e manter o desconto dos R$ 7 bi dos Estados; ou ainda aprovarem o do Senado, recusando por inteiro o da Câmara (o que seria impossível, se não tiver arrecadação nova).

    O Brasil anunciou que o crescimento do PIB irá diminuir em 2011. E a atual crise econômica mundial serve de pretexto para o governo rechaçar a proposta de 10% de receita para a saúde. Qual seria um montante ideal de recursos para o SUS?
    Tanto a alocação de um percentual do PIB quanto da receita levariam à diminuição dos recursos da saúde ou do crescimento. Não sei como isto intimidaria o governo, já que independente da arrecadação, ele tem que acompanhar o crescimento do PIB. E, se aprovado um percentual da receita, se ela for menor, o dinheiro a ser transferido à saúde também será pequeno.

    Com a aprovação da EC 29, os governos não poderão mais considerar como despesas de saúde o pagamento de inativos, a merenda escolar, a limpeza urbana etc. É suficiente para evitar distorções?
    Não há nenhuma necessidade de nova lei definindo o que são ações e serviços de saúde. Isso já está claro na Constituição Federal e na Lei Federal 8080/90. No momento em que o Conselho Nacional da Saúde (CNS) fez uma resolução sobre o assunto e não reforçou que já estava definido na Constituição e na lei, facilitou a omissão dos Estados.

    É favorável à CSS ou novo tributo para financiar a saúde?
    Já fui a favor da CPMF, mas hoje tenho posição contrária. Historicamente, toda vez que  pediram dinheiro para a saúde, utilizaram em outras áreas. Enquanto não houver compromisso claro com a saúde, a sociedade precisa tensionar para que aumentem esses recursos na proporção do crescimento da arrecadação. É uma prática do governo recolher mais para pagar dívida e deixar de investir no social. É preciso expurgar da saúde despesas não inerentes a ela e usar as verbas do aumento da arrecadação para investir mais em saúde.

    Alguns críticos insistem que o maior problema do SUS não é o financiamento insuficiente, mas a má gestão dos recursos.
    Para resolver os problemas da saúde no Brasil, precisamos implementar o que chamo de Lei dos Cinco Mais. O Mais Brasil refere-se ao fato de que se não tivermos mais emprego e renda melhor distribuída, não resolveremos a saúde do brasileiro. O Mais Modelo reforça que o formato calcado na doença não é o do SUS, mas sim o de dar precedência às ações preventivas sem prejuízo das medidas de recuperação. No Mais Eficiência, enfatizo a necessidade de  buscar a eficiência para gastar melhor os poucos recursos para a saúde. O Mais Honestidade significa menos corrupção em todos os níveis. E, claro, precisamos de Mais Dinheiro.

    Acesse a versão pdf do Jornal do Cremesp nº 278 - novembro 2011

     

    Tags: SUSentrevistajornal do cremespfinanciamento.

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