29/05/2002
28/05/2002 - Consulta nº 24.097: Parecer sobre exigência da Contratação de Farmacêutico para o dispensário de medicamentos
O Cremesp aprovou parecer considerando ilegal a exigência pela Vigilância Sanitária da contratação de farmacêutico para a guarda de dispensário de medicamentos em unidades hospitalares ou equivalentes.
CONSULTA Nº 24.097/02 (enviada ao Conselho pelo município de Santo André, São Paulo)
REF.: EXIGÊNCIA PELA VIGILÂNCIA SANITÁRIA DA CONTRATAÇÃO DE FARMACÊUTICO PARA A “GUARDA” DE DISPENSÁRIO DE MEDICAMENTOS
Informa a consulente que a vigilância sanitária vem exigindo a contratação de farmacêutico para a guarda do dispensário de medicamentos, baseando-se na portaria 344/98, art. 67; portaria 316/77, item V, e portaria SVS/MS 06/99.
Pode se dizer, de plano, que a exigência é totalmente descabida.
Veja-se as principais leis sobre as condições de funcionamento dos estabelecimentos de saúde em geral:
I) A lei federal 8080/90, conhecida como lei orgânica nacional da saúde determina:
“ art. 20: os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde.”
II) A lei federal 6360/76 que disciplina a ação da vigilância sanitária sobre os medicamentos e outras substâncias é clara ao afirmar:
“ art.50: o funcionamento das empresas de que trata esta lei dependerá de autorização do Ministério da Saúde, `a vista da indicação da atividade industrial respectiva,....”;
E o art. 51 não deixa dúvidas quanto à natureza dos estabelecimentos citados nesta lei:
“ art. 51: o licenciamento, pela autoridade local, dos estabelecimentos industriais ou comerciais que exerçam as atividades de que trata esta lei, dependerá de haver sido autorizado o funcionamento da empresa pelo Ministério da Saúde e de serem atendidas, em cada estabelecimento, as exigências de caráter técnico e sanitário estabelecidas em regulamento e instruções do Ministério da Saúde, inclusive no tocante à efetiva assistência de responsáveis técnicos habilitados aos diversos setores de atividade”;
O artigo 53 reforça esta idéia:
“ art. 53: as empresas que exerçam as atividades previstas nesta lei ficam obrigadas a manter responsáveis técnicos legalmente habilitados suficientes qualitativa e quantitativamente, para adequada cobertura das diversas espécies de produção em cada estabelecimento.”
III) E o decreto 79.094/77, que regulamenta a lei 6360/76, reforça o mesmo conteúdo nos arts. 89 a 92.
IV) O Código Sanitário do Estado de São Paulo, lei estadual 10.083/98, por sua vez, em momento algum alude à presença do profissional farmacêutico no âmbito de clínicas, hospitais ou consultórios médicos.
V) Os decretos 12.479/78, que regulamenta as condições de funcionamento dos estabelecimentos sob responsabilidades de médicos, dentistas, farmacêuticos, químicos e outros profissionais afins, bem como o decreto 12342/78, que regulamenta as formas de promoção, proteção e recuperação da saúde, deixam claras as distinções entre os atos médicos dos atos farmacêuticos ao descrever as atividades desses estabelecimentos.
VI) Abaixo destas leis – hierarquicamente superiores – temos os atos administrativos normativos ( resoluções, portarias, instruções normativas, etc.), que têm por finalidade melhor regulamentar situações mais específicas no âmbito de competência de cada órgão da administração.
VII) Neste sentido, temos a portaria 316/77, que prevê a obrigatoriedade de profissional habilitado apenas para estabelecimentos farmacêuticos, dispensando, obviamente, desta obrigatoriedade os dispensários de medicamentos das unidades hospitalares ou equivalente (inc. III e IV).
VIII) Posteriormente veio a portaria 344/98 regulamentar a guarda dos medicamentos nela estabelecidos:
“ art. 67: as substâncias constantes das listas deste regulamento técnico e de suas atualizações, bem como os medicamentos que as contenham, existentes nos estabelecimentos, deverão ser obrigatoriamente guardados sob chave ou outro dispositivo que ofereça segurança, em local exclusivo para este fim, sob a responsabilidade do farmacêutico ou químico responsável, quando se tratar de indústria farmoquímica.”
E esta portaria é taxativa ao enumerar as atividades a que se refere esta exigência, quais sejam: “extrair, produzir, fabricar, beneficiar, distribuir, transportar, preparar, manipular, fracionar, importar, exportar, transformar, embalar, reembalar.....”, restando evidente que a exigência de farmacêutico não recai, como nem poderia, sobre clínicas, consultórios e hospitais, onde quem ministra ou prescreve o medicamento é o único profissional largamente habilitado para tanto – o médico.
IX) A portaria 06/99 também faz clara divisão entre as funções do médico e do farmacêutico:
“ art. 92: a farmácia ao receber a receita médica, numerará a mesma através de carimbo ou etiqueta”, salientando que o registro deve conter “o nome do médico e número do CRM” , bem como o “visto do responsável técnico” (evidentemente o responsável técnico pela farmácia).
X) Tendo em vista o descabimento da exigência por parte da vigilância sanitária, não é demais citar mais algumas legislações a respeito do assunto:
Neste sentido, temos a lei federal 5991/73, que trata do controle de medicamentos, ressaltando:
“ art. 15: a farmácia e a drogaria terão ,obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei”, excluindo, consequentemente desta obrigatoriedade os estabelecimentos que têm como atividade básica , ou seja, atividade-fim, o exercício da medicina, para o que a vigilância sanitária deve colaborar e não obstruir ou dificultar.
XI) Não se poderia deixar de citar a própria lei federal que criou os conselhos regionais de farmácia, lei 3820/60, regulamentada pelo decreto 85.878/81, que reza numa clareza cristalina o papel do farmacêutico:
“ art. 1º: São atribuições privativas dos profissionais farmacêuticos:
I- desempenho de funções de dispensação ou manipulação de formas magistrais e farmacopeicas quando a serviço do público em geral ou mesmo de natureza privada;
II- assessoramento e responsabilidade técnica em:
a) estabelecimentos industriais farmacêuticos em que se fabriquem produtos que tenham indicações e/ou ações terapêuticas, anestésicos ou auxiliares de diagnósticos, ou capazes de criar dependência física ou psíquica;
b) órgãos, laboratórios, setores ou estabelecimentos farmacêuticos em que se executem controle e/ou inspeção de qualidade, análise prévia, análise de controle e análise fiscal de produtos que tenham destinação terapêutica, anestésica ou auxiliar de diagnósticos ou capazes de determinar dependência física ou psíquica;
c) órgãos, laboratórios, setores ou estabelecimentos farmacêuticos em que se pratiquem extração, purificação, controle de qualidade, inspeção de qualidade, análise prévia, análise de controle e análise fiscal de insumos farmacêuticos de origem vegetal, animal e mineral;
d) depósitos de produtos farmacêuticos de qualquer natureza; ........., e por aí segue até o inciso VI.
Portanto, a exigência de farmacêutico para o dispensário de medicamentos onde a atividade básica é o exercício da medicina, sendo o médico o único profissional habilitado para prescrever e responder pela guarda dos medicamentos, caracteriza-se tal exigência como arbitrária, ilegítima e , acima de tudo, violadora dos ditames legais e constitucionais, posto que agride a autonomia do exercício profissional, nos termos do art. 5º, inc.XIII, da Constituição Federal, que assim preconiza:
“ é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
Diante do exposto, este Conselho pode tomar as medidas administrativas cabíveis, como:
protocolar junto à vigilância sanitária um comunicado para que a mesma se abstenha de fazer a aludida exigência, nos termos acima referidos, sob pena de se tomar as providências pertinentes;
a) enviar simultaneamente um comunicado à Secretaria Estadual da Saúde, a fim de se coibir a conduta da vigilância sanitária;
b) enviar um comunicado à própria ANVISA sobre tal irregularidade.
Estas são algumas medidas administrativas que podem ser tomadas, sem prejuízo de outras providências, caso a vigilância sanitária insista na prática ilegal.
Neste contexto, registre-se que, se a vigilância sanitária aplicar qualquer penalidade que seja aos estabelecimentos médicos que não atendam a sua exigência, esta penalidade poderá ser anulada na justiça, pleiteando-se a indenização necessária.
Vale ainda registar que a Justiça Federal tem jurisprudência maciça no sentido de declarar a exigência ilegal, no âmbito de ações ajuizadas contra o CRF através do SINDHOSP, condenando o órgão ainda a devolver penalidade pecuniária eventualmente aplicada.
Salvo melhor juízo, é o parecer
SP 28.05.02
Lamiss Mohamad Ali Sarhan de Mello
Advogada
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