CAPA
EDITORIAL
A partir de 02/10, o Cremesp dá início ao recadastramento dos médicos paulistas
ENTREVISTA
Entrevista: Simônides Bacelar fala sobre seu Projeto Linguagem Médica Melhor
ATIVIDADES DO CREMESP 1
Dia do médico: festividades já estão agendadas para dia 18/10
ATIVIDADES DO CREMESP 2
Exame do Cremesp: sextanistas de Medicina podem inscrever-se até 06/10
SAÚDE MENTAL
Em debate, a implantação do novo modelo assistencial em saúde mental
ATIVIDADES DO CREMESP 3
Recadastramento de médcos paulistas: será realizado entre 02/10/2006 e 31/03/2007
ÉTICA MÉDICA
Proibida a vinculação de médicos a cartões de descontos
ATUALIZAÇÃO
Aprovada vacina contra quatro tipos do HPV, os mais relacionados ao câncer de colo de útero
GERAL
Veja como foi o II Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina em Manaus
HISTÓRIA
Beneficência Portuguesa: um megacomplexo de excelência em assistência hospitalar
AGENDA
Acompanhe a participação do Conselho em eventos relevantes para a classe
TOME NOTA
O Alerta Ético desta edição mostra a importância de responder às denúncias
NOTAS
Propaganda sem bebida: encontro em Santos inicia segunda etapa da campanha
GALERIA DE FOTOS
ENTREVISTA
Entrevista: Simônides Bacelar fala sobre seu Projeto Linguagem Médica Melhor
A palavra mais certa
Estrangeirismos, gírias e outros vícios de linguagem podem gerar erros médicos, adverte estudioso
O médico Simônides Bacelar é conhecido entre os colegas que recebem, via internet, os comentários do projeto Linguagem Médica Melhor, que ele mantém na Universidade de Brasília. Nascido em Jequié, interior da Bahia, graduou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, e atualmente é professor-voluntário na UnB e na Faculdade de Medicina da União Educacional do Planalto Central. Nesta entrevista, Bacelar mostra como alguns vícios da linguagem médica podem prejudicar o atendimento a um paciente. E afirma que o domínio do idioma é fundamental para o avanço da ciência médica.
Há quanto tempo o senhor trabalha com a linguagem na área da medicina? Como foi o início nesta atividade?
Trabalho com a linguagem há cerca de dez anos. Durante as apresentações de temas da nossa disciplina pelos alunos de medicina, além de avaliar a parte científica, é hábito metódico dos professores de nossa unidade corrigir suas posturas e seus erros de linguagem. Inicialmente, resolvemos fazer uma pequena lista de erros para que os alunos conhecessem o problema antes das apresentações. Com o avanço dos estudos, notamos que o problema era muito mais complexo. Pelo exame sistemático de textos em periódicos, prontuários, livros de medicina, anais de congressos, cartazes, congressos médicos e outros meios, em menos de um ano de estudos avolumaram-se mais de dois mil itens em nosso catálogo de problemas. Atualmente, dispomos de quase nove mil expressões e termos criticáveis, estudados e comentados. Fizemos também uma pesquisa entre acadêmicos de medicina para saber de seus interesses sobre linguagem de padrão culto. De 104 alunos entrevistados por meio de questionário, obtivemos 2.056 respostas, das quais apenas 3,4% indicaram rejeição clara à linguagem de padrão culto. Os alunos têm sincero interesse pelo assunto. Há um outro problema, mais sério: são numerosos os casos de profissionais que teriam grandes ensinamentos a relatar em benefício da ciência, mas, por não conhecerem bem o português e a técnica de redação científica, desalentam-se, de maneira que a comunidade médica vem a perder valioso capital de conhecimentos.
Os médicos não são rigorosos no uso do idioma?
Os médicos são cultos e expressam-se bem. Mas alguns profissionais não são rigorosos com sua linguagem. Sabemos que o rigorismo gramatical não poderia ter aceitação e aplicação geral; é campo para profissionais de letras. Os médicos não têm muito tempo para estudar gramática, tendo em vista sua jornada acachapante de trabalho em vários locais. Disso resulta o uso do idioma calcado na prática do dia-a-dia, sem atentar para a parte gramatical normativa, o que deixa muito espaço para formação de termos e expressões defeituosas. É comum, por exemplo, que os colegas usem a palavra “hidrópsia” ou “hidropsia” em vez de hidropisia; ou usem “dor em fossa ilíaca direita” por “dor na fossa ilíaca direita”. Outros exemplos: “anemia severa”, quando deveriam falar ou escrever anemia grave; “dor em topografia”, por “dor na região”; “bexigoma”, por distensão ou repleção vesical; “exame clínico normal do paciente”, por “paciente normal ao exame clínico”. Às vezes, a falta de critérios cuidadosos de uso pode levar a extremos cômicos. Em um relato, publicado em periódico científico de circulação nacional, escreveu-se que a avaliação da ascite pode ser feita com o “sinal de Piparot”. Sabemos que não é nome próprio, pois piparote é “pequena pancada com a ponta do dedo médio momentaneamente apoiado ao polegar, que dele se solta com força”.
Como tratar os regionalismos na comunicação médica?
Esse aspecto da linguagem faz parte do idioma e o enriquece. Não se pode considerá-lo com discriminação. Em um relato científico, os regionalismos podem ser usados mais adequadamente com as devidas explicações, já que esse tipo de comunicado precisa, como regra, ser de caráter universal. No Distrito Federal, é comum, por exemplo, dizer “prescrever SOS”, para indicar prescrições do tipo: “dipirona 2 ml IV de 6/6 h SOS”. Significa, nesse caso, usar o medicamento quando o paciente se queixar de dor ou se houver febre. Apesar de ser facilmente compreendida, convém explicar o que exatamente significa essa expressão “prescrever SOS” caso seja usada em um relato científico formal. Alguns usos não dicionarizados, mas constantes dos relatos médicos, redundam em penosas dificuldades para um colega de outro país. Entre médicos e pacientes, o diálogo com uso de gírias e regionalismos pode levar a desentendimentos em ambas as direções. Muitos médicos podem não saber o que significa “mãe do corpo” (útero) e muitos pacientes não compreenderiam o que vem a ser “evacuar” ou poderiam interpretar náuseas como vômitos.
Os prontuários médicos também revelam erros de comunicação?
Em alguns casos, as descrições cirúrgicas e outras anotações nos prontuários são insuficientes para o completo esclarecimento de quem as lê. Freqüentemente, o médico prefere conversar com o colega que cuidou anteriormente do doente, pois o escrito no prontuário está extremamente sintético, com excesso de siglas e nomes com significados vagos. Assim, muito teria de ser subentendido ou mesmo suposto. Uma interpretação errônea pode criar condutas imperfeitas. Muitos não sabem o que poderia significar, por exemplo, “paciente com #s na perna esquerda”. Obscuridades, ambigüidades, estrangeirismos, omissões, enganos, siglas e gírias podem induzir um médico a diagnósticos imprecisos e imperfeições no tratamento.
A comunicação na internet, com seus códigos próprios, já afetou a linguagem médica?
A internet é bem-vinda para a composição de grupos de especialistas e para possibilitar intercâmbio cultural e profissional em suas áreas. Mas utilizar linguagem imprópria para a comunicação entre pessoas de distintas regiões e de línguas diferentes pode prejudicar o entendimento, o que pode ser motivo de condutas desaconselháveis. Também no uso do prontuário eletrônico, ocorrem neologismos desnecessários como digitalizar (o texto) em lugar de digitar e inicializar ou estartar em vez de iniciar. Há estrangeirismos como e-mail, em lugar de endereço eletrônico, e site por sítio, portal, página e outros equivalentes que poderiam ser usados. Estamos elaborando um glossário de siglas médicas para auxiliar correspondentes médicos de outras línguas, que pedem explicações sobre abreviaturas a eles estranhas.
O senhor está concluindo um dicionário para médicos?
Planejamos mostrar aos profissionais de saúde os problemas de linguagem e apresentar sugestões de correção. Vamos sugerir o uso de termos e expressões não-criticáveis. Por exemplo, usar patologia como sinônimo de doença tem sido alvo de críticas por muitos. Como esse uso existe na linguagem e tornou-se um fato do idioma, não vamos considerá-lo um erro. Mas, se usarmos nomes como doença, afecção, morbidade e outros mais adequados, as críticas, se houver, serão de pouca expressividade. Se dissermos “tirar um raio X de tórax do paciente” haverá objeções, até cômicas. Já o termo radiografia não é criticável, especialmente em relatos formais. Em linguagem científica formal, convém adotar o padrão culto gramatical normativo.
Para saber mais sobre o Projeto Linguagem Médica Melhor, acesse o site, ou melhor, o sítio do Hospital Universitário da UnB ou do Instituto de Letras da UnB