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A Eleição Presidencial e o SUS


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Cremesp lança Caderno de Ética em Ginecologia e Obstetrícia


ENTREVISTA
“O contrário da violência não é a não violência. É a cidadania”


ARTIGOS
Emílio César Zilli e Nabil Ghorayeb


GERAL 1
Formulários brancos precisam ser preenchidos com mais atenção


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Terapia de Reposição Hormonal exige maior cautela


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O programa de Saúde dos presidenciáveis


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Hospital Santa Catarina: quase um século de bons serviços


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Programa de Hepatites Virais adota medidas preventivas


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Edição 180 - 08/2002

ENTREVISTA

“O contrário da violência não é a não violência. É a cidadania”


“O contrário da violência não é a não violência. É a cidadania”

Os políticos não se dedicam a prevenir e combater corretamente a violência porque isso não dá voto, afirma Cecília Minayo, a principal referência em violência e saúde do país e representante para a América Latina do Fórum Mundial de Ciências Sociais e Saúde. Antropóloga, doutora em Saúde Pública e pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz, onde atua como coordenadora científica do Centro Latino-americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves), também falou ao Jornal do Cremesp sobre o papel do setor saúde e a relação da violência com a pobreza e a criminalidade.


Jornal do Cremesp: Por que a violência não está sendo tratada pelo poder público à altura de sua gravidade?
Cecília Minayo: A violência é, antes de tudo, um problema social resultante de um conjunto de fatores sócio-históricos e culturais. Ela gera outros fenômenos e sempre quer dizer alguma coisa. Esse papel de “mensageira” talvez seja seu único ponto positivo, mas entender o que ela quer dizer é muito difícil. Atordoadas, tanto as autoridades quanto a sociedade tratam a violência como sinônimo de criminalidade para a qual a única resposta é a força policial. No entanto, a violência de hoje precisa de um diagnóstico complexo, pois ela tem características da sociedade pós-industrial e de suas mazelas.

JC: Como o sistema de saúde pode ser organizado para tratar da violência?
Minayo: É preciso adequar o SUS para atuar na promoção da saúde, na prevenção e no atendimento às vítimas de acidentes e violências. Isso exige um plano de ações específicas, de compreensão do fenômeno, de atuação intersetorial com liderança do setor saúde. Devem ser combinadas, simultaneamente, decisão política, gestão do sistema e formação de profissionais. Os profissionais de saúde possuem a tradição de valorização da vida, de compadecimento do sofrimento humano e de estratégias de prevenção. Eles podem atuar, por exemplo, junto à família, ambiente onde ocorrem as relações primárias e primordiais, onde nasce o sentido tanto da cidadania como o seu inverso, a violência social difusa e ampla. Em 2001 foi aprovada, pelo Ministério da Saúde, a Política Nacional de Redução de Acidentes e Violências. Falta colocar em prática.

JC: Existe relação entre pobreza e violência?
Minayo: O imaginário social costuma enxergar no pobre um criminoso potencial. Essa mentalidade é, em si, uma forma de violência simbólica que alimenta diversas formas de violência social. Cada classe social tem suas formas peculiares de criminalidade e violência, e não existe nenhuma evidência que um grupo seja mais pacífico que outro, a não ser os altíssimos percentuais de pobres que enchem as cadeias, verdadeiras universidades de reprodução do crime. Talvez a visibilidade dos crimes praticados por pobres seja maior. No Brasil, hoje, há razões sinérgicas para que um número pequeno de delinqüentes pobres, que vive nas periferias urbanas, passe a amedrontar as cidades. Nos últimos 20 anos, a população de jovens cresceu muitíssimo, a ponto dos demógrafos falarem em “onda jovem”; o país estagnou seu crescimento econômico, o desemprego cresceu, as possibilidades de trabalho diminuíram e os investimentos na educação foram mínimos. As quadrilhas de tráfico de drogas, principalmente, passaram a ser uma alternativa de trabalho e de ganhos – não fáceis – , mas de caráter imediatista, sob o código da violência e do poder das armas. Esses jovens pobres são a “bucha de canhão” do crime organizado que vive da ilegalidade e do conluio com a legalidade. Esse tipo de criminalidade urbana que inclui, sobretudo, jovens pobres e os coloca no front dos conflitos sociais, tem a cara da sociedade que se realiza no consumo. Há o apelo e o encantamento pelos bens de consumo, sem condições legais de obtê-los. Por fim, a religião deixou de ser referência cultural forte para a maioria dos jovens, a vontade de igualdade com os que têm posses é muito maior e a disposição de usar meios violentos para isso sofre menos censura moral.

JC: Há também a idéia de que a violência é algo inerente ao ser humano...
Minayo: Desde quando os seres humanos se organizam em sociedade a violência está presente. Por exemplo, a Bíblia começa com a história de Caim e Abel. Por outro lado, vários filósofos nos alertam para o fato de que a violência está também dentro de nós, vem de nosso egoísmo, da nossa vontade de tomar o lugar, o pensamento, o espaço e até a vida do outro. Isso se realiza das mais diferentes formas, levando-nos à conclusão de que não há, em tese, bons e maus: todos somos vítimas e agressores potenciais. Mas a história pessoal e social, as oportunidades, os anseios reprimidos são os condicionantes de expressão maior ou menor das formas de violência. Por isso há sociedades e pessoas mais humanas, mais solidárias, mais civilizadas e vice-versa. Sabendo que todos temos potenciais para desenvolver a civilização ou a guerra, costumo dizer que o contrário da violência não é a não violência; é a cidadania, ou seja, o reconhecimento pessoal e social, a construção da auto-estima e as potencialidades de expressão social e política que tornam o ser humano mais civilizado. Esse foi o conteúdo de uma profunda conversa entre Freud e Einstein. Portanto, deixar a solução da violência apenas na mão da segurança pública, compreendida como sistema policial é “enxugar gelo” e potencializar ainda mais o nível de conflito social em que vivemos.

JC: Existe modelo ideal de prevenção e combate à violência?
Minayo: Não existe, mas qualquer que seja deve agir em várias frentes às quais os políticos não gostam de se dedicar porque não dão voto. No caso brasileiro, no longo prazo, investimento na inclusão social: aumento de empregos e melhoria de salários, investimento na educação e nas políticas de habitação etc. O ser humano, quando se sente valorizado, usa a linguagem para resolver os problemas. Quando quer ser valorizado e não é ouvido, usa a força das armas para mostrar seu poder. É isso que estão dizendo, simbolicamente, os criminosos pobres. No médio prazo, políticas sociais voltadas para a juventude, controle de armas em mãos da população. A questão das drogas também precisa ser seriamente discutida. Há duas propostas majoritárias hoje no mundo: a sua demonização absoluta -–que é a posição americana – e seu controle e tratamento dentro de políticas menos fundamentalistas – que é a posição européia. No Brasil essas questões estão sendo varridas para baixo do tapete, todo mundo tem medo de se comprometer.

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