CAPA
EDITORIAL
Ato Médico: fundamental para a população
ENTREVISTA
José Carlos de Souza Andrade, reitor da Unesp
ATIVIDADES DO CONSELHO 1
Programa de Controle da Qualidade Hospitalar
ATIVIDADES DO CONSELHO 2
Destaque para resposta do Secretário municipal ao Cremesp sobre Terapias Naturais
CLASSE MÉDICA EM MOVIMENTO 1
Cresce mobilização por honorários
CLASSE MÉDICA EM MOVIMENTO 2
ANS impõe regras de contratos entre Planos de Saúde e profissionais da saúde
CLASSE MÉDICA EM MOVIMENTO 3
Prorrogada suspensão de novos cursos de Medicina
GERAL 1
Serviço de Destaque
GERAL 2
CFM traça novo perfil do médico brasileiro
GERAL 3
De olho nos sites: Cremesp, Bioética e Banco de Empregos Médicos
AGENDA
Entre os destaques, a comemoração dos 109 anos da Academia de Medicina
NOTAS
Alerta Ético
PARECER
Uso de Nifedipina
DIA DA MULHER
Homenagem a Berta Sbrighi
GALERIA DE FOTOS
DIA DA MULHER
Homenagem a Berta Sbrighi
Berta Sbrighi, médica, 92 anos
Berta Sbrighi, uma das primeiras mulheres médicas a atuar no Brasil, dedicou a maior parte dos seus 92 anos à Medicina, atendendo seus pacientes principalmente no bairro da Lapa, em São Paulo. A relação com o bairro veio por causa do marido, o falecido médico Cenno Sbrighi, com quem trabalhou por décadas. Descendente de imigrantes franceses e poloneses, ela nasceu em 1911, no Rio Grande do Sul. Mudou-se com a família para Paris, quando tinha pouco mais de dois anos. Com apenas sete anos, Berta perdeu a mãe para a epidemia de Gripe Espanhola, em 1918. Ela e os irmãos foram morar com uma tia.
Quando Berta cursava o segundo ano de Medicina na renomada Universidade de Sorbonne, o pai perdeu quase tudo devido a histórica quebra da Bolsa de Nova York em 1929, voltando ao Brasil para recomeçar a vida. Ela e a irmã decidiram acompanhá-lo para conhecer o avô e os muitos parentes que moravam no Brasil. Chegaram primeiro à cidade de Rio Grande e, depois, Porto Alegre. "Eu tinha 22 anos e me pintava muito raramente, só para ir a festas. No Sul, as mulheres se pintavam diariamente para passear nos jardins, pois os rapazes ficavam parados olhando. Eu achava isso o fim do mundo", relembra rindo. "Meus parentes diziam que eu precisava casar logo e me apresentaram não sei quantos candidatos. E diziam: 'aqui ninguém estuda Medicina, é comprometedor. Imagina uma moça junto com os rapazes! Não pode.' Isso me revoltava, eu era muito independente e feminista."
Ambiente mais aberto
O pai de Berta resolveu mudar-se com as filhas para São Paulo. "Viemos para tentar estudar num ambiente mais aberto. Quando cheguei aqui, o Getúlio Vargas já havia baixado um decreto, permitindo entrar na Faculdade quem passasse." Em São Paulo, a Faculdade de Medicina já tinha as vagas do curso daquele ano preenchidas e Berta teria de esperar um ano para continuar os estudos. O pai resolveu ir para o Rio de Janeiro.
"Na Faculdade de Medicina da Praia Vermelha teria que recomeçar o curso do primeiro ano. Estávamos numa situação financeira difícil e ainda teria de perder os dois anos conquistados numa faculdade de primeira linha. Então, entrei na Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Meu ideal era fazer Neurologia ou Psiquiatria. Mas Psiquiatria estava no início aqui e ia custar muito obter clientela. Para uma mulher, sobrava Ginecologia, Obstetrícia, Pediatria e laboratórios. Laboratórios nem pensar, porque queria contato com o paciente".
Berta conta que apenas ela e mais três mulheres faziam o curso de Medicina, que tinha mais de 250 estudantes. "Na França, a cada cinco alunos um era mulher". Como estudante, Berta começou a freqüentar o hospital. "Por um certo tempo, trabalhei em esquema de plantão no Hospital São Francisco de Assis, no Rio. Depois de muitas vezes dormir numa maca na sala de esterilização, comecei a dizer: por que nós mulheres, que éramos duas ou três, não marcáva-mos plantão no mesmo dia? Assim, passaríamos a ter direito ao quarto e ao banheiro dos médicos", relembra a conquista.
Em 1937, ela terminou o curso de Medicina casando-se com um colega da faculdade. Era Cenno Sbrighi, que havia se formado um ano antes e estava vivendo e clinicando no Bairro da Lapa, em São Paulo.
"Deixei primeiro Paris, uma cidade inesquecível, depois o Rio de Janeiro, que era esplêndido, para morar na Lapa, que naquele tempo não tinha luz, rua calçada, só um pequeno Posto de Saúde". O casal trabalhava junto. "Cada um tinha a sua clientela e atendia no seu consultório, mas a sala de espera era junto. Desde o início, tivemos a rara sorte da confiança mútua. Em geral, o casamento entre médico e médica não é tão fácil, mas nunca tivemos inveja um do outro, mas muito orgulho do trabalho de cada um", conta.
"Anos maravilhosos"
Berta comenta que na década de 40 e 50, o casal já trabalhava com maior prática na Ginecologia e Obstetrícia. "Em 50, fizemos curso de especialização em Ginecologia". Nessa época, segundo ela, a Medicina começou a ser orientada para especialização. "O médico perdeu muito do valor que se dava à clínica. Naturalmente, as descobertas técnicas e medicamentosas melhoraram muita coisa. Numa época em que existiam poucos antibióticos ou exames técnicos, a arma mais eficiente do médico era ver, tocar, cheirar, abraçar o doente e ser abraçado por ele. O médico perdeu entre 70% e 75% do valor da sua profissão", lamenta. "Eu nunca trabalhei para qualquer convênio, só com paciente particular que ficou até o fim me mandando as filhas e as netas".
Berta e Cenno tiveram dois filhos. "Foram anos maravilhosos. Infelizmente o Cenno teve uma parada cardíaca e ficou em coma muito tempo. Foi um choque tremendo. Cenno faleceu em 1975, com 64 anos". Ela continuou trabalhando sozinha até a década de 90. "Já não enxergava ou ouvia bem, nem tinha força física para ajudar uma mulher a dar à luz. Quando ela tem medo, é preciso transmitir força, mas tudo isso já estava falhando. Resolvi parar e comecei a encaminhar as pacientes, suas filhas e netas para uma colega. O tempo passa, não sei por que estou durando até agora", comenta rindo.
"Reis da Lapa"
"Naquele tempo, a Lapa era quase toda familiar. Como não existiam muitos casais de médicos, nos chamavam de 'reis da Lapa'. Uma vez, eu e o Cenno tivemos que atender na Lapa de Baixo, a uma mulher grávida com hemorragia. O Hospital foi avisado, mas a ambulância não tinha como chegar até o local. Eu estava grávida de sete meses, mas fomos com nosso chevrolezinho, no meio da lama. Depois, tivemos que seguir andando, pois o carro não passava. Segui com minha barriga, passando em baixo de arame farpado, até chegar na casa. Colocamos a mulher atravessada na cama, apoiando os pés dela em duas cadeiras, cobrimos com lençol e fizemos o que tinha de ser feito. Naquele tempo não existiam antibióticos, tudo precisava ser bem fervido e esterilizado.
O Cenno ganhou um nome de rua na Lapa. Ele merecia porque adorava o seu bairro e os seus pacientes, conhecia todos pelo nome. Todos que eram vendedores da feira da Lapa ou que tinham sido colegas dele na escola não pagavam consulta", conta.
O filho Vidal Sbrighi, de 63 anos, conta que quase todo mundo na Lapa fala que nasceu pela mão de seu pai ou de sua mãe. Vidal atuou como cirurgião plástico durante 30 anos, mas aposentou-se da Medicina para dedicar-se à música. O outro filho do casal morreu em um acidente aos 40 anos. "Ele me deixou uma neta e um neto lindos. A minha neta, hoje com 25 anos, é biomédica", orgulha-se Berta.
Associação de Mulheres Médicas
Desde 1965, Berta faz parte da Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM), entidade da qual foi secretária nacional por 15 anos. "Até pouco tempo atrás não tinha banheiro ou sala de descanso para as mulheres médicas". Desde o início, a Associação lutou para que as mulheres recebessem o mesmo que os médicos e para que tivessem direito a ser chefe de clínica, por exemplo.