CAPA
EDITORIAL (pág. 2)
Mauro Gomes Aranha de Lima
ENTREVISTA (pág. 3)
Lígia Bahia
INSTITUIÇÕES DE SAÚDE (pág. 4)
Instituto de Oncologia Pediátrica
SUS (Pág. 5)
Subfinanciamento da saúde
ÉTICA MÉDICA 1 (pág. 6)
Novo CEM
TRABALHO MÉDICO (pág. 7)
Falta ao plantão
EXAME DO CREMESP (págs. 8 e 9)
Avaliação acadêmica
ÉTICA MÉDICA 2 (pág. 10)
Comissões de Ética
AGENDA DA PRESIDÊNCIA (pág. 11)
Simpósio
EU, MÉDICO (pág.12)
Rachel Esteves Soeiro
JOVENS MÉDICOS (pág. 13)
Saúde dos residentes
CONVOCAÇÕES (pág. 14)
Editais
BIOÉTICA (pág. 15)
Vida & Morte
GALERIA DE FOTOS
EU, MÉDICO (pág.12)
Rachel Esteves Soeiro
Médica leva atenção integral a populações negligenciadas
“A primeira coisa a ser feita é resgatar a dignidade do paciente e, depois,
dar o cuidado necessário, para além do atendimento médico”
Rachel: "atendemos pessoas vulneráveis,
que não chegam às UBSs"
Há cerca de cinco anos, a médica de família e comunidade Rachel Esteves Soeiro teve a oportunidade de colocar em prática um dos princípios mais nobres da Medicina: exercer a profissão com um olhar atento e afetuoso em relação ao paciente como um todo, numa abordagem biopsicossocial.
Isso foi possível graças à oportunidade de trabalho que surgiu por meio da organização não governamental Médicos Sem Fronteiras, que atua em regiões onde há conflitos armados ou que enfrentam graves epidemias ou doenças negligenciadas, com sede na Bélgica. Rachel integrou três missões no continente africano. Lá prestou atendimento médico a pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, vitimadas por doenças como a cólera e a malária, e sitiadas em acampamentos ou lugares de difícil acesso, sem água potável, condições mínimas de higiene e saneamento básico. Somado à desafiante experiência, ela presta, atualmente, no Brasil, atendimento a pessoas em situação de rua, durante o qual também exercita sua visão holística em relação ao ser humano.
Família e comunidade
Nascida em São Paulo, desde criança Rachel – a primeira de três irmãs – encantou-se pela Medicina. “Adorava ir ao médico e vê-lo trabalhar”, recorda. Ela desejava tanto ser médica que chegou a fazer cursinho por algumas vezes, até ser aprovada, em 2001, em universidades públicas de primeira linha, entre as quais optou pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde cursa, atualmente, mestrado em Saúde da criança e do adolescente em situação de rua.
Com vocação para o atendimento humanitário, foi natural especializar-se em Medicina de Família e Comunidade, em 2009. “Tive muita dificuldade no sexto ano para decidir a área em que queria atuar, por isso decidi trabalhar dando plantões. Até que me propuseram atuar no Programa de Saúde da Família na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Jundiaí, e me apaixonei”, lembra.
Ela conta que o trabalho – que durou dois anos – foi muito gratificante. “Eu era a única médica de uma equipe modelo na época. Havia seis agentes comunitários e cerca de três mil pessoas em nosso território, o que permitiu realizar um excelente trabalho”, observa. Apesar de já estar muito identificada com o que fazia, Rachel decidiu fazer a Residência na área, para ter mais experiência.
Uma característica importante que compõe o perfil do médico de família e comunidade, na opinião da médica, é olhar o paciente como um todo, avaliando o contexto social em que está inserido. “Não consigo escutar ‘estou sentindo uma dor de estômago’ sem perguntar se a pessoa está passando por algum problema em casa, como está a família, o trabalho”, diz.
Consultório na rua
Atender pacientes em situação de rua também faz parte do dia a dia de Rachel, que vê no trabalho humanitário a principal razão de se exercer a Medicina. Trabalha atualmente no Consultório na rua – programa da Política Nacional de Atenção Básica do Ministério da Saúde, que inclui ainda o Estratégia de Saúde da Família e o atendimento a populações ribeirinhas. “Atendemos populações vulneráveis que não conseguem chegar à UBS, porta de entrada do sistema público de saúde. É uma política de vanguarda, inovadora, que coloca o Brasil à frente de outros países”, pontua.
Rachel conta que desenvolve esse trabalho com duas equipes, das 7h às 19h, por meio da Organização Social (OS) Cândido Ferreira, em Campinas (SP). “Compartilhamos o espaço do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), mas nosso território de atuação realmente é a rua”, afirma.
Ela explica que o trabalho abrange três campos fixos de atividade. Às terças-feiras, as equipes atuam no Largo do Pará, na região central; às quartas-feiras, no Mercadão, também na região central; e às sextas-feiras, em frente a um abrigo municipal. “Existem pessoas que não conseguem lugar dentro do abrigo e dormem na rua, então prestamos atenção aos que lá se instalam e aos que dormem na rua”, relata.
O atendimento à população em situação de rua deve contar necessariamente com uma equipe multidisciplinar, na sua opinião. “Isso é muito rico porque a gente tenta tirar o olhar da doença, do uso da substância química, buscando ver o paciente como um todo, oferecendo outras opções além de um remédio”, explica.
Rachel observa que esses pacientes, muitas vezes, são tratados como invisíveis ou marginalizados pela sociedade, e que a maioria deles já tentou, ao menos uma vez, ir ao pronto-atendimento, mas por estar em más condições de higiene, a equipe de saúde sequer põe as mãos neles. “Nossa equipe faz exatamente o contrário, trata essas pessoas com respeito, e isso já é um grande passo. A primeira coisa é resgatar a dignidade do paciente e, depois, dar o cuidado necessário, para além do atendimento médico.”
Médica sem fronteiras
Durante seu trabalho na Médicos Sem Fronteiras (MSF), Rachel prestou atendimento a populações vulneráveis no Níger, de 2011 a meados de 2012. De lá, seguiu para o Sudão do Sul, onde permaneceu até o final do ano. Em 2013, atuou na República Democrática do Congo e, em 2014, na Guiné, onde enfrentou uma grave epidemia de ebola. “Mais da metade de meus pacientes eram de uma mesma família. Um contaminava o outro. É uma doença negligenciada, que acontece em países sem saneamento básico ou estrutura de saúde. Não existe água corrente, para se conseguir um poço era preciso andar mais de 10 km”, relata.
Tanto em seu trabalho na MSF como no atendimento a pessoas em situação de rua, seu objetivo é levar atenção integral à saúde de populações negligenciadas. “Contribuo para a sociedade como médica na medida em que tenho esse olhar para a população. Temos de resgatar a dignidade do ser humano, e isso é possível”, conclui.