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ESPECIAL 2
Seguro de Responsabilidade Civil nos Estados Unidos


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Edição 190 - 06/2003

ESPECIAL 2

Seguro de Responsabilidade Civil nos Estados Unidos


Seguro de Responsabilidade Civil está em crise nos EUA

A área de seguro de responsabilidade civil destinada a médicos está em crise nos Estados Unidos. E não são as opiniões em contrário por parte de entidades de defesa da categoria os indicadores desta realidade: em seu discurso anual sobre o Estado da União, o próprio presidente dos EUA, George W. Bush, buscou sensibilizar o Congresso de seu país a alterar a política da “indústria” de processos contra o erro médico – capaz de arrebentar o patrimônio dos profissionais e prejudicar o atendimento prestado.

“Para melhorar nosso sistema de assistência médica devemos tratar de uma das principais causas do alto custo, a constante ameaça de que os médicos e hospitais serão processados injustamente. Devido ao excesso de litígios, todos pagam mais por assistência à saúde e muitas partes da América estão perdendo bons médicos”.

Com este discurso, proferido no início do ano, Bush procurou encorajar seu Congresso a aprovar uma reforma sobre a responsabilidade civil do médico – campo visto até há bem pouco tempo pelas seguradoras como um promissor filão, mas que na prática vem trazendo perdas.

O presidente conta com o apoio da American Medical Association (AMA), preocupada em deter o aumento dos processos contra médicos, que mina qualquer possibilidade de atuação profissional e, conseqüentemente, o atendimento aos pacientes.

Em vários Estados como Flórida, Pensilvânia e até Nova Iorque profissionais já cruzaram os braços durante horas, ou mesmo dias, em sinal de protesto contra as altíssimas mensalidades exigidas pelas seguradoras. Em algumas especialidades como obstetrícia e neurocirurgia, o gasto anual supera facilmente a marca dos US$ 100 mil – destinados a indenizações por má praxis, às vezes próximas a US$ 1 milhão.

Novo estudo promovido na Georgia, por exemplo, indica que um em cinco médicos está abandonando procedimentos considerados de risco (como parto) e centenas se mudaram para algum Estado vizinho ou simplesmente se aposentaram. Em Nevada, profissionais chegaram a fechar um Centro de Trauma de alto nível, forçando a transferência de pacientes graves.

Teoria da culpa
Basicamente, tal seguro nada mais é de que a transferência da responsabilidade civil, de uma pessoa física ou jurídica, para uma instituição a qual – presume-se – dispõe de recursos maiores para o atendimento de eventuais indenizações.

Nos países onde há uma tradição na área, as empresas propõem-se a prestar cobertura aos segurados nas indenizações a que venham a ser condenados em virtude de prejuízos ocasionados a terceiros, em função de ações ou omissões involuntárias no exercício de sua profissão. Lá, no campo do direito civil, por vezes é levada em conta a chamada teoria objetiva – baseada simplesmente no risco, ou seja, quem causou o dano deve reparar o prejuízo, independentemente de sua culpabilidade.

Danos morais: fora de cobertura
Em geral, ficam de fora do rol de cobertura as penas imputadas por danos morais (injúria, difamação) e, ainda, danos estéticos; atos e intervenções proibidas por lei; favorecimento ou conivência com terceiro reclamante; quebra do sigilo profissional; tratamento radiológico e similares; e uso de técnicas experimentais.

Além do possível incentivo à indústria das indenizações milionárias – elevando os custos dos serviços médicos e aniquilando a relação médico/paciente – os críticos ao seguro consideram que ele, por si só, constitui-se em prévio reconhecimento de uma suposta incapacidade ou incompetência profissional.

“Doente? Procure um advogado”

Duas respeitadas revistas americanas trouxeram recentemente reportagens sobre problemas gerados pelo seguro de responsabilidade civil. A The Economist optou por enfatizar a situação crítica dos médicos dos EUA, que estão tendo enormes dificuldades de encontrar empresas que os segurem (providência quase obrigatória para quem quer trabalhar) e, quando encontram, pagam um preço desencorajador.

Já a Time individualizou o mesmo enfoque. Contou a história do pneumologista Alexander Sosenko, de Illinois, cujo drama começou quando a American Physicians Capital não quis renovar sua apólice de seguro, devido a um processo no qual tivera sido envolvido no passado. Depois de peregrinar de seguradora em seguradora, Sosenko recebeu uma única proposta nos seguintes termos: ele e seus sócios arcariam com despesas de quase US$ 100 mil cada e mais US$ 500 mil por ano, para a cobertura de qualquer processo derivado de atendimento prestado antes da nova apólice entrar em vigor.

Sem condições de pagar e para não abandonar seus doentes, o médico está procurando ajuda. Com o apoio de pacientes e amigos, transformou sua sala em uma espécie de QG, onde se pode ler faixas do tipo “Doente? Procure um advogado”. “Nós, médicos, podemos nos mudar (de Estado). Mas nossos pacientes, não”, afirmou o pneumologista. A mesma matéria ressalta que a crise está levando alguns médicos e estudantes de medicina dos EUA a trocarem especialidades que geralmente são mais alvos de processos como obstetrícia, neurologia e pneumologia, por outras consideradas mais seguras, como dermatologia e oftalmologia.

Polêmica
Seguradoras estão fechando as portas por causa de pagamentos de indenizações, garantem entendidos como a agência norte-americana AM Best. A suposta inviabilidade do negócio se daria porque, enquanto as companhias de riscos patrimoniais e acidentes pagaram US$ 1,06 para cada dólar de prêmio recebido, as seguradoras de responsabilidade civil profissional gastaram US$ 1,41.

Como contraponto a tudo o que vem sendo dito sobre a “avalanche” de processos contra médicos, entretanto, há quem diga que a coisa não é bem assim. É o caso da Americans For Insurance Reform, coalizão com cerca de 100 grupos de consumidores, que produziu ao longo de 30 anos amplo estudo sobre o assunto (cuja íntegra pode ser encontrada no site http://www.centerjd.org/air/StableLosses.pdf).

Este surpreendente estudo mostra que no período acompanhado não existiu um aumento real de processos e concessões judiciais contra médicos. Além disso, aponta que o aumento excessivo do preço do seguro cobrado dos médicos segue o ciclo econômico da indústria seguradora, dirigido por seus próprios interesses. Em outras palavras, as companhias aumentam seus preços quando estão procurando maneiras de cobrir suas perdas em investimentos.


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