CAPA
EDITORIAL (JC pág. 2))
"As escolas médicas brasileiras deveriam autoavaliar o ensino que praticam"
ENTREVISTA (JC pág. 3)
Renato Adam Mendonça, vice-presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR)
ATIVIDADES 1 (JC pág. 4)
A implantação da 1ª unidade AME-Psiquiatria na Vila Maria, em São Paulo
PEMC (JC pág. 5)
A Medicina e a Condição Feminina lembrou a atuação das mulheres médicas no voluntariado
ATIVIDADES 2 (JC pág. 6)
Florianópolis sedia 1º Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina deste ano
SAÚDE PÚBLICA (JC pág. 7)
Portaria estabelece normas para o atendimento de travestis e transexuais
FISCALIZAÇÃO (JC pág. 8 e 9)
Levantamento nos Centros de Atendimento Psicossocial do Estado
ÉTICA & BIOÉTICA (JC pág. 10)
Atualizações do CEM entraram em vigor em 13 de abril
INFLUENZA (JC pág. 11)
Na avaliação do Conselho, todos os médicos deveriam ser vacinados
GERAL 1 (JC pág. 12)
CFM regulamenta métodos terapêuticos que visam o equilíbrio celular
CFM (JC pág. 13)
Representantes do Estado no Conselho Federal se dirigem aos médicos e à sociedade
ALERTA ÉTICO (JC pág. 14)
Análises do Cremesp ajudam a prevenir falhas éticas causadas pela desinformação
GERAL 2 (JC pág. 15)
Aplicabilidade do Novo Código de Ética Médica será tema do treinamento de funcionários dos CRMs
GALERIA DE FOTOS
SAÚDE PÚBLICA (JC pág. 7)
Portaria estabelece normas para o atendimento de travestis e transexuais
Definidos protocolos para atendimento a travestis e transexuais no SUS
Centro de Referência e Treinamento - DST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde de SP cria protocolos de cuidados a travestis e transexuais – com base em Resolução do Cremesp –, visando oferecer atendimento integral à saúde e igualdade de acesso aos serviços do SUS a esse segmento da população
Acompanhamento e tratamento das complicações decorrentes do uso de silicone industrial, orientação sobre as dosagens de hormônios e avaliações urológicas e proctológicas, dentre outros protocolos de cuidados, foram definidos pela Portaria nº 1, de 27 de janeiro de 2010, da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) do Centro de Referência e Treinamento (CRT) - DST/Aids da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, para atendimento a travestis e transexuais.
A medida visa suprir as demandas de saúde gerais e específicas dessa população, garantindo igualdade no atendimento e no acesso aos serviços oferecidos pelo SUS. A portaria do CCD/CRT - DST/Aids estabelece parâmetros para acolhimento, avaliações psicológica, médica, urológica, proctológica, psiquiátrica, endocrinológica e social, fonoaudiologia e outros encaminhamentos realizados pela equipe multidisciplinar.
Identidade sexual
A medicina reconhece o transexualismo como um transtorno de identidade de gênero ou transgênero, caracterizado por uma discordância entre o sexo biológico/anatômico de um indivíduo e sua identidade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a manifestação ocorre em um a cada 30 mil nascidos homens e em uma a cada 100 mil mulheres.
Para compor o protocolo pioneiro no atendimento a essa população, a Secretaria considerou a implantação e estruturação do Ambulatório de Saúde Integral a Travestis e Transexuais no Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, a Resolução Cremesp 208/09 e a inexistência de uma diretriz de cuidados direcionados à população de travestis para garantir equidade do acesso às práticas assistenciais.
Maria Clara Gianna, coordenadora do Programa Estadual DST/Aids-SP e diretora do CRT - DST/Aids da Secretaria de Saúde de São Paulo, afirma que também submeteu o texto da portaria ao Cremesp, para que estivesse em conformidade com a Resolução 208/09, e ao Centro de Referência de Diversidade, da Prefeitura de São Paulo, entidade parceira do Ambulatório do CRT, que garante inclusão social e geração de renda aos profissionais do sexo, travestis, transexuais e pessoas com HIV/Aids em situação de vulnerabilidade. O grupo destacado para formatar o projeto foi integrado por dez profissionais de saúde.
Atendimento integral
O Ambulatório do CRT-DST/Aids foi criado em junho de 2009 e faz 300 atendimentos por mês, em média. Para Maria Clara, a portaria é fundamental para que se possa começar a organizar o atendimento em outros serviços do Estado, especialmente aos travestis, já que o acesso e as cirurgias para transexuais são amparados por Resolução do CFM e do Ministério da Saúde.
Além do atendimento integral à saúde, a hormonioterapia é a principal demanda atendida pela portaria, que especifica o esquema terapêutico padronizado no serviço e como a questão deve ser conduzida. Ela prevê administração de estrógeno associada ou não à ciproterona, o que já é feito no Ambulatório do CRT-DST/Aids e no Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo.
Fora da capital, há serviços de atendimento dirigido a travestis e transexuais, mas ainda sem o tratamento com hormonioterapia e cirurgia, como na UBS Dr. Domingo Marcolino Braile, em São José do Rio Preto, e no Hospital da Unicamp, em Campinas. Numa parceria estabelecida com o Hospital Estadual de Diadema, os pacientes encaminhados pelo CRT são avaliados sobre a necessidade de cirurgia para a retirada de silicone industrial. De acordo com Mário Shideo Kono, superintendente do hospital, o atendimento humanizado é realizado em horário especial e já foram feitas sete cirurgias desde novembro de 2009.
Processo Transexualizador
As cirurgias de redesignação sexual foram autorizadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) nos hospitais universitários pela Resolução 1482/97 e, depois, pela Resolução 1652/02, que regulamenta os procedimentos de transgenitalismo. O CFM considera que o “paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição ao fenótipo e tendência à automutilação e ou autoextermínio” tem direito à cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais secundários, com o propósito terapêutico específico de adequação ao sexo psíquico. Desta forma, autoriza as cirurgias de neocolpovulvoplastia (tratamento do transexualismo masculino para feminino) e, experimentalmente, neofaloplastia (tratamento do transexualismo feminino para masculino), além dos procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários, sempre em maiores de 21 anos de idade. Preconiza ainda a seleção dos pacientes para cirurgia, feita por equipe multidisciplinar, com acompanhamento mínimo de dois anos, a fim de confirmar o diagnóstico.
Hospital das Clínicas
O Ambulatório do CRT-DST/Aids vem estabelecendo parceria para a cirurgia de redesignação sexual, que hoje é realizada pelo SUS somente no HC, por meio do Ambulatório de Transexualismo do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas, criado em 1998, pelo Ministério da Saúde.
Maria Clara relata que o Ambulatório está em negociações para a realização do procedimento ainda neste primeiro semestre de 2010. Por enquanto, o HC disponibiliza apenas a cirurgia de feminilização (plástica da genitália, caso não se atinja o resultado com hormônios), mas não faz implantes de silicone. Já a de masculinização (em mulheres) foi descartada por apresentar unicamente resultado estético, mas nem sempre funcional, o que acaba frustrando as pacientes. Com o laudo de transexualismo e a cirurgia, esses cidadãos podem procurar a justiça e tentar obter a documentação para a mudança de nome.
Elaine Maria Frade Costa, responsável pelo Ambulatório de Transexualismo do Serviço de Endocrinologia do HC, professora livre docente da Fmusp e integrante da comissão que criou a Portaria nº 1 da CCD/CRT - DST/Aids, esclarece que, antes da cirurgia, é feito uma acompanhamento do paciente pela equipe formada por endocrinologista, psicólogo, psiquiatra e cirurgião por, no mínimo, dois anos. Se comprovado o diagnóstico de transexualismo, é realizada a terapia hormonal e pode ser indicada a intervenção cirúrgica. “Estão em tratamento mais de 100 pacientes diagnosticados como transexuais, sendo que já foram feitas 32 cirurgias desde o início do serviço. Todos recebem atendimento psicológico, antes e depois da cirurgia, para acompanhar a evolução de cada um”, explica.
Mesmo sem fila para a cirurgia, Elaine informa que existem 120 pacientes aguardando triagem e avaliação com a única equipe multidisciplinar especializada do HC, o que motivou o fechamento temporário do cadastro para novos atendimentos.
A perspectiva da responsável pelo Ambulatório de Transexualismo é de formar profissionais para que outros serviços sejam implantados, melhorando as condições para o atendimento à saúde dessa população.
Ação pioneira do Cremesp
O caminho ético para o atendimento médico integral à população de travestis, transexuais e pessoas que apresentam dificuldade de adequação psíquica e social em relação ao sexo biológico foi aberto pela Resolução 208 do Cremesp, de 27 de outubro de 2009. “Trata-se de uma iniciativa corajosa do Cremesp pelo papel fundamental de se posicionar diante de questões polêmicas.
O Conselho sagrou-se como digno representante da classe médica e pioneiro na luta contra o preconceito e os valores não aceitos pela sociedade”, afirma o conselheiro Caio Rosenthal, infectologista do Instituto Emílio Ribas e do Hospital do Servidor Público Estadual.
Ele participou da criação da Resolução 208/09 do Cremesp e também da elaboração da Portaria nº 1 da CCD/CRT-DST/Aids, que versa sobre o tema, ao lado de Reinaldo Ayer e Nacime Mansur, também conselheiros do Cremesp.
Rosenthal reforça que a população de travestis e transexuais nem sempre é aceita por segmentos da sociedade e admite que há pouca experiência dos profissionais de saúde para esse atendimento. “É preciso maior especialização e qualificação nesse trabalho médico, que envolve questões inusitadas, familiaridade com hormonioterapia e sensibilidade no atendimento”, avalia.